manifestação da geração à rasca

> - Então, foste à manifestação da geração à rasca?
>
> - Sim, claro.
>
> - Quais foram os teus motivos?
>
> - Acabei o curso e não arranjo emprego.
>
> - E tens respondido a anúncios?
>
> - Na realidade, não. Até porque de verão dá jeito: um gajo vai à
> praia, às esplanadas, as miúdas são giras e usam pouca roupa. Mas de
> inverno é uma chatice. Vê lá que ainda me sobra dinheiro da mesada que
> os meus pais me dão. Estou aborrecido.
>
> - Bom, mas então por que não respondes a anúncios de emprego?
>
> - Err...
>
> - Certo. Mudando a agulha: felizmente não houve incidentes.
>
> - É verdade, mas houve chatices.
>
> - Então?
>
> - Quando cheguei ao viaduto Duarte Pacheco já havia fila.
>
> - Seguramente gente que ia para as Amoreiras.
>
> - Nada disso. Jovens à rasca como eu. E gente menos jovem. Mas todos à
> rasca.
>
> - Hum... E estacionaste onde? No parque Eduardo VII?
>
> - Tás doido?! Um Audi TT cabrio dá muito nas vistas e aquela zona é
> manhosa. Não, tentei arranjar lugar no parque do Marquês. Mas estava
> cheio.
>
> - Cheio de...?
>
> - De carros de jovens à rasca como eu, claro. Que pergunta!
>
> - E...?
>
> - Estacionei no parque do El Corte Inglés. Pensei que se me
> despachasse cedo podia ir comprar umas coisinhas à loja gourmet.
>
> - E apanhaste o metro.
>
> - Nada disso. Estava em cima da hora e eu gosto de ser pontual.
> Apanhei um táxi. Não sem alguma dificuldade, porque havia mais jovens
> à rasca atrasados.
>
> - Ok. E chegaste à manif.
>
> - Sim, e nem vais acreditar.
>
> - Diz.
>
> - Entrevistaram-me em directo para a televisão.
>
> - Muito bom. O que disseste?
>
> - Que era licenciado e estava no desemprego. Que estava farto de pagar
> para as reformas dos outros.
>
> - Mas, se nunca trabalhaste, também não descontaste para a segurança social.
>
> - Não? Pois... não sei.
>
> - Deixa-me adivinhar: és licenciado em Estudos Marcianos.
>
> - F...-se! És bruxo, tu?
>
> - Palpite. E então, gritaste muito?
>
> - Nada. Estive o tempo todo ao telemóvel com um amigo que estava na
> manif do Porto. E enquanto isso ia enviando mensagens para o Facebook
> e o Twitter pelo iPhone e o Blackberry.
>
> - Mas isso não são aparelhinhos caros para quem está à rasca?
>
> - São as armas da luta. A idade da pedra já lá vai.
>
> - Bem visto.
>
> - Quiriquiri-quiriquiri-qui! Quiriquiri-quiriquiri-qui!
>
> - Calma, rapaz. Portanto despachaste-te cedo e ainda foste à loja gourmet.
>
> - Uma m....! A luta é alegria, de forma que continuámos a lutar Chiado
> acima, direitos ao Bairro Alto. Felizmente uma amiga, que é muito
> previdente, tinha reservado mesa.
>
> - Agora os tascos do Bairro aceitam reservas?
>
> - Chamas tasco ao Pap'Açorda?
>
> - Errr... E comeram bem?
>
> - Sim, sim. A luta é cansativa, requer energia. Mas o pior foi o
> vinho. Aquele cabernet sauvignon escorregava...
>
> - Não me digas que foste conduzir nesse estado.
>
> - Não. Ainda era cedo. Nunca ouviste dizer que a luta continua? E
> continuou em direcção ao Lux. Fomos de táxi. Quatro em cada um, porque
> é preciso poupar guito para o verão. Ah... a praia, as esplanadas, as
> miúdas giras e com pouca roupa...
>
> - Já não vou ao Lux há algum tempo, mas com a crise deve estar meio morto,
> não?
>
> - Qual quê! Estava à pinha. Muita malta à rasca.
>
> - E daí foste para casa.
>
> - Não. Apanhei um táxi para um hotel. Quatro estrelas, que a vida não
> está para luxos.
>
> - Bom, és um jovem consciente. Como tinhas bebido e...
>
> - Hã?! Tu passas-te! A verdade é que conheci uma camarada de luta e...
> bem... sabes como é.
>
> - Resolveram fazer um plenário?
>
> - Quê? Às vezes não te percebo.
>
> - Costuma acontecer. E ficaram de ver-se?
>
> - Ha! Ha! Ha! De ver-se, diz ele. Não estás a ver a cena. De manhã
> chegámos à conclusão que ela era bloquista e eu voto no Portas. Saiu
> porta fora. Acho que foi tomar o pequeno-almoço à Versailles.
>
> - Tu tomaste o teu no hotel.
>
> - Sim, mas mandei vir o room service, porque ainda estava meio ressacado.
>
> - Depois pagaste e...
>
> - A crédito, atenção. Com o cartão gold do Barclays.
>
> - ... rumaste a casa.
>
> - Sim, àquela hora a A5 não tinha trânsito. Já não havia malta à rasca
> a entupir o tráfego.
>
> - Moras onde? Paço d'Arcos? Parede?
>
> - Que horror! Não, não. Moro na Quinta da Marinha, numa casita modesta
> que os meus pais se vêem à rasca para pagar. Para a próxima levo-os
> comigo.
>

Comentários

Primeiro2020 disse…
muiiiito à rasca!!!!!!
Leão disse…
... neste caso deixará de estar à rasca quando o paizinho o inscrever num partido para a sua ascensão, poderá ter na pior das hipóteses um lugar no plenário para dar uso ás grandes ideias do comprovado esforço das suas lutas travadas...
nozes disse…
Paulo Portas não teria dito melhor...
TPS disse…
à rasca ando eu, com a estupidez política que se tem visto ultimamente...

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